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Construção de nova Pequena Central Hidrelétrica - PCH em Piraju

 

O país receberá acréscimo inexpressivo de energia à sua matriz energética

e o município terá sepultada, por definitivo e de forma irreversível,

a certidão de nascimento de seu povo.

 

O rio Paranapanema, de domínio federal, é o menos poluído do Estado de São Paulo. O rio é tão importante que tem seu próprio dia, 27 de agosto, instituído pela Lei Estadual no 10.488/1999,do deputado Antônio Salim Curiati, sancionada pelo então governador Mário Covas.

No idioma e na cultura tupi-guarani, o vocábulo paranapanema – etimologicamente (parana + panema) – significa “grande rio improdutivo”, pois o Paranapanema era considerado pelos autóctones um rio com poucos peixes. Contudo, revelou-se produtivo na geração de energia elétrica: concentra 5% da produção hidrelétrica nacional.

Tem 929 km de extensão, dos quais 90,6 km cortam o município da Estância Turística de Piraju. Nasce na Serra de Agudos Grandes, município de Capão Bonito, região sul do Estado de São Paulo, 900 m acima do nível do mar.

As águas do Paranapanema seguem da direção leste para o oeste, até desembocar no rio Paraná, em Porto São José, na divisa entre São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, onde sua foz está a 238 m de altitude. Em Piraju, encontra-se um trecho de 8 km de calha natural do rio, tombado por Lei Municipal em 2002, localizado entre a foz do ribeirão Hungria e a do ribeirão das Araras.

A declividade média total do rio Paranapanema, desde suas nascentes até a desembocadura no rio Paraná, é de 61 cm/km, totalizando 570 m. Não considerando os primeiros 100 km, onde o rio desce a serra de Paranapiacaba, a declividade média é de 43 cm/km,  valor relativamente baixo para um percurso tão extenso.

O Paranapanema é pouco navegável; basicamente o é no baixo curso entre Euclides da Cunha, Paulista e Terra Rica, a jusante da corredeira da Coroa do Frade, em uma extensão de cerca de 70 km, contados a partir da foz do rio Paraná. Essa navegação é feita em caráter precário, pois, em condições naturais, a profundidade mínima nesse trecho, em estiagem, é de cerca de 1,5 m.

As matas da bacia do Alto Paranapanema escondem, ao longo do leito do rio, sítios arqueológicos bem preservados da exploração do ouro e de missões jesuíticas no início do século XVIII, além de ruínas históricas de até 8 mil anos atrás. Em sua bacia, encontravam-se tribos de duas importantes nações indígenas brasileiras: os Tupis-guaranis e os Jés. Marco importante na história do Brasil, o rio foi uma espécie de fronteira entre as Américas espanhola e portuguesa no início da colonização, e, por isso, abriga ao longo de suas sinuosas curvas um rico patrimônio histórico.

O Salto Piraju, também chamado de Garganta do Diabo, é a certidão de nascimento da Estância Turística de Piraju. Localizado no único trecho urbano do rio Paranapanema, ainda mantém suas características originais. Uma paisagem deslumbrante, com águas lóticas nervosas a escorrer por porções generosas de rochas basálticas, sob o olhar contemplativo de exuberante mata ciliar. Os primeiros índios povoadores, atraídos para o local em busca de alimentos, tentavam fisgar com lanças a fartura de peixes dourados que tresloucadamente saltavam rio acima na época da piracema.

A fauna e a flora do entorno do rio foram muito comprometidas ao longo do tempo pela construção de barragens de hidrelétricas em vários pontos de seu leito. Apesar de ter águas limpas, Piraju despeja nele 8% do esgoto que produz. Mesmo com intervenções antrópicas, continua bem servido de peixes, suas margens ainda têm muita proteção florestal e suas águas permanecem despoluídas na maior parte do seu curso. Mas tanto em sítios arqueológicos quanto em flora e fauna, ainda há muito que se estudar e descobrir.

O rio Paranapanema, de domínio federal, é o menos poluído do Estado de São Paulo. O rio é tão importante que tem seu próprio dia, 27 de agosto, instituído pela Lei Estadual no 10.488/1999, do deputado Antônio Salim Curiati, sancionada pelo então governador Mário Covas.

No idioma e na cultura tupi-guarani, o vocábulo paranapanema – etimologicamente (parana + panema) – significa “grande rio improdutivo”, pois o Paranapanema era considerado pelos autóctones um rio com poucos peixes. Contudo, revelou-se produtivo

na geração de energia elétrica: concentra 5% da produção hidrelétrica nacional.

 

Para o desenvolvimento da cidade em médio e longo prazos, não é estratégico para Piraju a construção da usina no local proposto. Piraju consome por volta de 3,7 mil megawatt-hora (MWh), e as três usinas instaladas na cidade têm capacidade instalada de 210 MW, suficientes para atender mais de 20 cidades do mesmo porte durante um ano inteiro. Além do mais, no local pretendido, há rica biodiversidade, que será seriamente afetada e de forma irreversível, comprometendo uma série de serviços ambientais prestados pelo rio gratuitamente. Uma usina altera paisagens de maneira irreversível e exige compromissos de longo prazo, que pode chegar a séculos.

É uma temeridade entregar parte do maior patrimônio da cidade a uma empresa de pouca ou nenhuma expressão nacional na área. Os estudos preliminares e as respostas apresentadas pela EC Brasil aos pirajuenses denotam desconhecimento, despreparo e análise superficial da realidade econômica, social, histórica e ambiental do município.

Curvar-se ao poder econômico para implantar uma obra à custa do patrimônio ecológico e cultural, maior riqueza do município, significa privilegiar uma visão estreita, de curto prazo, que vai contra as posturas de desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável.

Para a construção do empreendimento, é necessário revogar diversas leis e posturas municipais de proteção ao maior patrimônio pirajuense. Ainda que a sociedade pirajuense decida abrir mão de todo esse importante cabedal institucional em face de uma nova usina em suas águas, deve-se obter a aprovação estadual pelos EIA e pelos RIMA e vencer o artigo 196 da Constituição do Estado de São Paulo, que inclui o vale do rio Paranapanema dentre os espaços territoriais especialmente protegidos e assegura sua preservação ambiental.

Há que se obter também aval do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), visto que o rio Paranapanema é de legislação federal. Nesse âmbito, está em vigor a Lei do Código Florestal de 1965, ampliada pela Lei no 7.511/1986, que define uma APP como as faixas que vão de 30 a 200 m ao longo de cursos d’água. A obra de uma nova usina fere também o comprometimento internacional do Brasil como signatário da Convenção de Ramsar, ratificada pelo Decreto no 1.905/1996, no qual o país se compromete com o desenvolvimento de uma política especial de proteção de zonas úmidas.

O arcabouço institucional municipal é o retrato da formação da consciência ambiental do povo pirajuense ao longo de décadas. Os temas ambientais são espinhosos e foram discutidos à exaustão entre comunidade e poderes constituídos, e devidamente aprovados pela vontade soberana e democrática da maioria da população.

Em um regime político democrático, esse status ambiental pode mudar, desde que a maioria do poder legislativo e o executivo assim entendam, mas nunca sem antes ouvir a voz da coletividade – que já se mostrou, em sua maioria, contrária a novas obras de usinas na região. O país receberá acréscimo inexpressivo de energia à sua matriz, e o município, além de não receber royalties, pois, pequenas centrais hidrelétricas não os pagam, terá sepultada a certidão de nascimento de seu povo, por definitivo e de forma irreversível.